Na beira dos rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru, Envira, Humaitá e Purus, margeado pelas densas florestas da Amazônia Ocidental e próximo à divisa com o Peru, habita o povo indígena mais numeroso do Acre: os Huni Kuin. Contando com aproximadamente 7.535 indivíduos, segundo o censo do IBGE de 2010, eles coabitam com o povo Kulina, a Terra Indígena do Alto Purus.
Huni Kuin em seu idioma original, o Pano, traduz-se como “homens verdadeiros”.
Já seus grafismos, os kene kuin, são os “desenhos verdadeiros” e representam uma parte intrínseca de sua identidade, um elemento fundamental na beleza de seus objetos e das pessoas.
Os kene kuin estão presentes em todas as manifestações artísticas e também nos artefatos tradicionais dos Huni Kuin. Inscritos nas vestimentas, cerâmicas, tecelagens, adornos e nas pinturas corporais, os grafismos Huni Kuin representam uma estética única e totalmente conectada com a cosmologia e com a história de seu povo.
Os Huni kuin possuem uma conexão única com as florestas e os animais presentes em suas terras, principalmente com os pássaros Japiins, chamados no idioma indígena de txana. Seu povo faz referência às “ciências do txana”, um sistema de saberes dos Japiins. Estes saberes estão profundamente relacionados aos conhecimentos que os Huni Kuin buscam desenvolver, como por exemplo, a experiência de viver em harmonia na sociedade.
Os Japiins têm o costume de sair de seus ninhos logo pela manhã para caçar voltando somente ao entardecer. Os ninhos Japiins são tecidos por um entrelaçado de folhas e fibras, criando um formato semelhante a uma bolsa arredondada considerada a rede do txana.
Para o povo Huni Kuin, os Japiin são verdadeiros mestres da tecelagem. Seu fazer é considerado uma forma de arte, além de abrigo para chuvas e ventos. Seus elaborados ninhos os mantêm quentes e acolhidos assim como as casas e as redes do próprio povo Huni Kuin.
A cosmologia e tecelagem do povo Huni Kuin
Assim como os txana, as mulheres Huni Kuin são as artesãs responsáveis por todo o processo de tecelagem que dá vida a peças únicas como vestidos, túnicas, redes, bolsas e uma infinidade de produtos.
Tradicionalmente, as artesãs utilizam em suas criações o algodão orgânico. Cultivados em suas roças, as mulheres Huni Kuin semeiam e colhem cinco variedades distintas de shapu (algodão) com colorações, texturas e volumes de fibras diferentes. Esse algodão depois é fiado e tingido com pigmentos naturais.
O fazer artesanal Huni Kuin é coletivo e feminino. As mulheres mais velhas são as guardiãs e mestras da arte da tecelagem e também dos cantos rituais. Elas são chamadas de ainbu keneya na língua indígena, o que significa ‘mulher com desenho’ ou de txana ibu ainbu, ‘dona dos Japiins’.
O canto é parte do processo de tecelagem: durante a colheita, descaroçamento, bater e fiar das fibras de algodão, as artesãs cantam pedindo a força das aranhas para tecer rapidamente, já que segundo sua cosmologia o fio colhido pela aranha já saía pronto, sem a necessidade de bater ou fiar.
O tingimento é a última etapa de beneficiamento pelo qual o algodão passa antes da tecelagem. Os corantes naturais utilizados para tingir as fibras são obtidos a partir de cascas e árvores como o mogno e a cerejeira, ou de outros vegetais como o coração da bananeira. Com os fios já nas tonalidades desejadas, começam a ser tecidos os grafismos.
Conta o mito Huni Kuin que foi a jibóia Sidika quem ensinou a arte da tecelagem e da pintura corporal às mulheres, enquanto a anaconda Yube ensinou aos homens a arte do cipó e seus cantos, assim como o mundo das imagens em transformação.
Cada grafismo (kene) pode abrir-se para revelar todo tipo de figuração (dami), pois dentro do desenho da serpente há muitos mundos escondidos. As artes gráficas desta etnia estão intimamente entrelaçadas à experiência visionária do cipó (nixi pae), medicina da floresta produtora de visões.
Para os Huni Kuin e demais povos indígenas, a comercialização do artesanato além de ser fundamental na geração de renda sustentável para as famílias, mantém vivo este conhecimento que vem resistindo às gerações, mostrando a força da cultura de seu povo para o mundo.
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Fontes:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/123365/000824066.pdf?sequence=1
https://bdm.unb.br/bitstream/10483/24402/1/2018_ErikaKimieKoyama_tcc.pdf