Este foi mais um ano de muitos desafios. Quem caminha junto com os povos indígenas e comunidades tradicionais do Brasil e participa de suas lutas, sabe que para além das questões impostas pela pandemia, outras ameaças como as invasões a seus territórios e ataques a seus modos de vida tem sido infelizmente cada vez mais constantes e mais violentos.
Os espaços de luta também possibilitam importantes encontros e reencontros que nos ensinam a re-existir com quem resiste há mais de cinco séculos. Pensando nestes espaços como áreas de atuação, separamos nossa breve retrospectiva em Arte, Luta, Encontros e Impacto.
Estar ao lado de guerreiros e guerreiras que são também guardiões e sabedores de conhecimentos ancestrais é uma oportunidade pela qual nos sentimos honrados e que renova nossa missão de proporcionar cada vez mais visibilidade para os desafios impostos aos povos indígenas e aproximar estas lutas do nosso cotidiano. A luta dos povos indígenas é uma luta de todos, enquanto sociedade e humanidade.
Que os novos tempos tragam potentes retomadas individuais e coletivas. Que venha 2022 com mais saúde e esperança para todes nós!
ARTE
Artivismo
A Bienal de São Paulo deste ano ficou conhecida como a “Bienal dos Índios”, mudança de paradigma importante no campo das artes. A flecha da Arte Indígena Contemporânea (AIC) lançada pelo guerreiro Jaider Esbell na companhia de outros artivistas foi determinante para que a arte indígena fincasse sua bandeira no chamado mercado das artes contemporâneas. O artivismo consolidou as artes indígenas não mais como representação, mas como uma nova epistemologia.
Na esteira das diferentes linguagens artísticas estão exposições como a Moquém_Surari (MAM-SP), América, de Salissa Rosa (MAM-RIO), A Grande Volta do Manto Tupinambá, com Glicéria Tupinambá entre os curadores, a plataforma TePi que reúne textos, curtas, documentários e críticas, os podcasts Copiô Parente, Nhexyrõ e Papo de Parente, a série “Sou moderno, sou índio”, filmes como “A Última Floresta” co-criado pelo xamã Davi Kopenawa e “A Febre”, que traz a perspectiva do indígena no contexto urbano, as instalações de Daiara Tukano, as performances de artistas como Uyra Sodoma e Lian Gaia e tantas outras produções artísticas, audiovisuais, literárias, musicais e da indústria criativa como um todo revelam como é diverso e repleto de subjetividades o leque das estéticas indígenas.
Atravessando mundos
Entre uma rede diversa de autores, artistas, criadores, curadores, intelectuais indígenas que compartilham com o mundo seus saberes, o pensamento de Jaider Esbell reverberou fortemente nos últimos tempos. Jaider, que deixou este mundo para atravessar pontes invisíveis para outros mundos, mobilizou mentes, corpos e subjetividades criadoras através da arte materializada de muitas formas, linguagens e possibilidades. Suas obras ecoam lições generosas e ao mesmo tempo contundentes, sendo fonte de inspiração para que novas retomadas e re-existências continuem ocupando os espaços. Jaider, presente, sempre.
LUTA
Primavera Indígena
Uma das maiores mobilizações indígenas da história aconteceu neste ano e teve início com as mobilizações do ATL (Acampamento Terra Livre) em agosto, na expectativa da votação sobre o Marco Temporal. Com os sucessivos adiamentos no julgamento, a mobilização se rearticulou, ocupando por mais um mês a capital do país. Com a chegada de comitivas de mulheres representando povos de todos os biomas do Brasil, a II Marcha das Mulheres Indígenas reuniu 6 mil mulheres em marcha pelo direito à terra como mãe de todas as lutas. Foram dias de reflorestar corações e mentes em plenárias, debates, rezos e cantos em manifestações poderosas.
COP26
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) contou com mais de 40 lideranças indígenas do Brasil na edição que aconteceu em Glasgow, Escócia. Com a maior delegação indígena presente em sua história, a comitiva organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) fez parte de uma frente composta por povos tradicionais do mundo todo, denunciando o genocídio indígena que acontece no Brasil e abrindo os olhos de líderes internacionais para a luta dos povos indígenas contra a invasão de seus territórios e as inúmeras violências sofridas por estas populações.
Ouro de sangue
O garimpo ilegal (assim como atividades ilícitas como a extração ilegal de madeiras, a grilagem, incêndios criminosos e invasões) tomou rumos alarmantes ao longo dos últimos anos. Incentivado por políticas públicas, o garimpo é um facilitador de invasões e violências que colocam em risco diversas comunidades Brasil afora. O rastro do garimpo ilegal é destruição, doenças, alcoolismo, tráfico de drogas, desmatamento, poluição das águas e de todo o ecossistema. Os danos causados pela prática do garimpo defendida por setores do governo ligados aos interesses ruralistas já são irreversíveis em muitas regiões do país. Uma série especial desenvolvida pela Amazônia Real e Repórter Brasil detalha a situação no Brasil hoje.
ENCONTROS
Que a nossa rede é composta de artistas, artesãs e artesãos indígenas, você já sabe. Para a nossa alegria, em 2021, a Tucum expandiu ainda mais essa rede de trabalho e afeto. Além da ampliação do nosso trabalho em campo, ao longo do ano pudemos contar com a colaboração de mais de 21 profissionais de diversas áreas na criação de campanhas e conteúdos, entre fotógrafos, modelos, artistas gráficos, ilustradores, escritores, jornalistas, comunicadores, pesquisadores. Fortalecer as artes indígenas é abrir espaço para que a criatividade se materialize nas mais diversas linguagens e estéticas. Muito honrados pela chegada de tantos parceiros e parceiras e amigos nessa jornada!
Direção criativa: Day Molina. Fotógrafos: Raytan Pataxó, Brycia Sabanê, Ana Helena, Gustavo Paixão, Pat-I Kayapó, Coletivo Betume, Bepunu Kayapó. Modelos: Alice Pataxó, Tukumã Pataxó, Lian Gaia, Sallisa Rosa, Kaê Guajajara, Talita Marubo, Iretykre Kayapó, Nhakri Kayapó, Luciel Tupari, Samili Paiter, Marcielly Tupari, Kandu Puri. Colaborações artísticas: Natália Lobo, Auá Mendes. Conteúdo: Alice Pataxó e Julie Dorrico. Entrevistas: Sandra Benites, Vanda Witoto, Moara Tupinambá.
IMPACTO
Escolhemos estabelecer relações justas e transparentes quando decidimos andar ao lado daqueles que são os grandes guardiões da sociobiodiversidade do planeta, os povos originários. São 2.400 artesãs e artesãos produzindo tudo o que você encontra à venda no Marketplace Tucum e nossa motivação é abrir caminho para gerar o máximo de impacto positivo para cada comunidade.
Chegamos ao fim de mais um ano com a sensação feliz de ver validada nossa missão de contribuir, fortalecer e promover as artes indígenas do Brasil. Mas isso não quer dizer que estamos satifeites não, cada conquista permite que a gente siga construindo planos e estratégias para potencializar ainda mais os impactos para as comunidades que integram nossa rede, sempre em movimento de expansão.
“Consumir arte indígena é, sobretudo, manter uma postura política de resistência.” Com esse pensamento de Naine Terena, nos despedimos de 2021 e contamos com você na luta para fortalecer os povos indígenas do Brasil.