Retrospectiva TUCUM 2021

Este foi mais um ano de muitos desafios. Quem caminha junto com os povos indígenas e comunidades tradicionais do Brasil e participa de suas lutas, sabe que para além das questões impostas pela pandemia, outras ameaças como as invasões a seus territórios e ataques a seus modos de vida tem sido infelizmente cada vez mais constantes e mais violentos.

Os espaços de luta também possibilitam importantes encontros e reencontros que nos ensinam a re-existir com quem resiste há mais de cinco séculos. Pensando nestes espaços como áreas de atuação, separamos nossa breve retrospectiva em Arte, Luta, Encontros e Impacto.

Estar ao lado de guerreiros e guerreiras que são também guardiões e sabedores de conhecimentos ancestrais é uma oportunidade pela qual nos sentimos honrados e que renova nossa missão de proporcionar cada vez mais visibilidade para os desafios impostos aos povos indígenas e aproximar estas lutas do nosso cotidiano. A luta dos povos indígenas é uma luta de todos, enquanto sociedade e humanidade.

Que os novos tempos tragam potentes retomadas individuais e coletivas. Que venha 2022 com mais saúde e esperança para todes nós! 

ARTE

Fotografias de Sueli Maxakali, na Bienal de SP. 2021. Foto: Divulgação/ Instituto Bienal.

Artivismo

A Bienal de São Paulo deste ano ficou conhecida como a “Bienal dos Índios”,  mudança de paradigma importante no campo das artes. A flecha da Arte Indígena Contemporânea (AIC) lançada pelo guerreiro Jaider Esbell na companhia de outros artivistas foi determinante para que a arte indígena fincasse sua bandeira no chamado mercado das artes contemporâneas. O artivismo consolidou as artes indígenas não mais como representação, mas como uma nova epistemologia.

Na esteira das diferentes linguagens artísticas estão exposições como a Moquém_Surari (MAM-SP), América, de Salissa Rosa (MAM-RIO), A Grande Volta do Manto Tupinambá, com Glicéria Tupinambá entre os curadores, a plataforma TePi que reúne textos, curtas, documentários e críticas, os podcasts Copiô Parente, Nhexyrõ e Papo de Parente, a série “Sou moderno, sou índio”, filmes como “A Última Floresta” co-criado pelo xamã Davi Kopenawa e “A Febre”, que traz a perspectiva do indígena no contexto urbano, as instalações de Daiara Tukano, as performances de artistas como Uyra Sodoma e Lian Gaia e tantas outras produções artísticas, audiovisuais, literárias, musicais e da indústria criativa como um todo revelam como é diverso e repleto de subjetividades o leque das estéticas indígenas. 

Atravessando mundos

Jaider Esbell. Foto: Daiara Tukano.

Entre uma rede diversa de autores, artistas, criadores, curadores, intelectuais indígenas que compartilham com o mundo seus saberes, o pensamento de Jaider Esbell reverberou fortemente nos últimos tempos. Jaider, que deixou este mundo para atravessar pontes invisíveis para outros mundos, mobilizou mentes, corpos e subjetividades criadoras através da arte materializada de muitas formas, linguagens e possibilidades. Suas obras ecoam lições generosas e ao mesmo tempo contundentes, sendo fonte de inspiração para que novas retomadas e re-existências continuem ocupando os espaços. Jaider, presente, sempre.

LUTA

Primavera Indígena

Uma das maiores mobilizações indígenas da história aconteceu neste ano e teve início com as mobilizações do ATL (Acampamento Terra Livre) em agosto, na expectativa da votação sobre o Marco Temporal. Com os sucessivos adiamentos no julgamento, a mobilização se rearticulou, ocupando por mais um mês a capital do país. Com a chegada de comitivas de mulheres representando povos de todos os biomas do Brasil, a II Marcha das Mulheres Indígenas reuniu 6 mil mulheres em marcha pelo direito à terra como mãe de todas as lutas. Foram dias de reflorestar corações e mentes em plenárias, debates, rezos e cantos em manifestações poderosas.

“Nós estamos aqui lutando por vocês e é por isso que a deseja que vocês também lutem por nós.” Shirley Krenak, autora e ativista do povo Krenak (MG). Shirley atuou como chefe de segurança na II Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília.

COP26

A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) contou com mais de 40 lideranças indígenas do Brasil na edição que aconteceu em Glasgow, Escócia. Com a maior delegação indígena presente em sua história, a comitiva organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) fez parte de uma frente composta por povos tradicionais do mundo todo, denunciando o genocídio indígena que acontece no Brasil e abrindo os olhos de líderes internacionais para a luta dos povos indígenas contra a invasão de seus territórios e as inúmeras violências sofridas por estas populações.

A ativista e comunicadora Samela Sateré-Mawé, na COP26. Foto: reprodução Instagram/Samela.

Ouro de sangue 

O garimpo ilegal (assim como atividades ilícitas como a extração ilegal de madeiras, a grilagem, incêndios criminosos e invasões) tomou rumos alarmantes ao longo dos últimos anos. Incentivado por políticas públicas, o garimpo é um facilitador de invasões e violências que colocam em risco diversas comunidades Brasil afora. O rastro do garimpo ilegal é destruição, doenças, alcoolismo, tráfico de drogas, desmatamento, poluição das águas e de todo o ecossistema. Os danos causados pela prática do garimpo defendida por setores do governo ligados aos interesses ruralistas já são irreversíveis em muitas regiões do país. Uma série especial desenvolvida pela Amazônia Real e Repórter Brasil detalha a situação no Brasil hoje.

Com a certeza da impunidade, operadores de voo controlam o céu das áreas de garimpo da TI Yanomami; na imagem, helicóptero e um avião são flagrados na região do Homoxi (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Rio Madeira repleto de balsas de garimpo. Foto: Bruno KELLY / GREENPEACE / AFP.

ENCONTROS

Talita Marubo, modelo da coleção JAVARI: pela ponta dos dedos.

Que a nossa rede é composta de artistas, artesãs e artesãos indígenas, você já sabe. Para a nossa alegria, em 2021, a Tucum expandiu ainda mais essa rede de trabalho e afeto. Além da ampliação do nosso trabalho em campo, ao longo do ano pudemos contar com a colaboração de mais de 21 profissionais de diversas áreas na criação de campanhas e conteúdos, entre fotógrafos, modelos, artistas gráficos, ilustradores, escritores, jornalistas, comunicadores, pesquisadores. Fortalecer as artes indígenas é abrir espaço para que a criatividade se materialize nas mais diversas linguagens e estéticas. Muito honrados pela chegada de tantos parceiros e parceiras e amigos nessa jornada!

Direção criativa: Day Molina. Fotógrafos: Raytan Pataxó, Brycia Sabanê, Ana Helena, Gustavo Paixão, Pat-I Kayapó, Coletivo Betume, Bepunu Kayapó.  Modelos: Alice Pataxó, Tukumã Pataxó, Lian Gaia, Sallisa Rosa, Kaê Guajajara, Talita Marubo, Iretykre Kayapó, Nhakri Kayapó, Luciel Tupari, Samili Paiter, Marcielly Tupari, Kandu Puri. Colaborações artísticas: Natália Lobo, Auá Mendes. Conteúdo: Alice Pataxó e Julie Dorrico. Entrevistas: Sandra Benites, Vanda Witoto, Moara Tupinambá.

IMPACTO

Escolhemos estabelecer relações justas e transparentes quando decidimos andar ao lado daqueles que são os grandes guardiões da sociobiodiversidade do planeta, os povos originários. São 2.400 artesãs e artesãos produzindo tudo o que você encontra à venda no Marketplace Tucum e nossa motivação é abrir caminho para gerar o máximo de impacto positivo para cada comunidade.

Chegamos ao fim de mais um ano com a sensação feliz de ver validada nossa missão de contribuir, fortalecer e promover as artes indígenas do Brasil. Mas isso não quer dizer que estamos satifeites não, cada conquista permite que a gente siga construindo planos e estratégias para potencializar ainda mais os impactos para as comunidades que integram nossa rede, sempre em movimento de expansão.

Oficina no último campo da Tucum no Vale do Javari. Novembro/2021.

“Consumir arte indígena é, sobretudo, manter uma postura política de resistência.” Com esse pensamento de Naine Terena, nos despedimos de 2021 e contamos com você na luta para fortalecer os povos indígenas do Brasil.