Brasília iluminada pela mobilização nacional indígena lembrando que o Brasil é terra indígena. Foto: Israel vale Jr.
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Hoje nosso Observatório dedica maior parte de seu espaço para o julgamento em trâmite no STF que vai julgar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Como o status de “repercussão geral” foi dado em 2019 pelo STF ao processo, a decisão servirá de modelo para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas no Brasil.
Acampamento Luta Pela Vida
Desde o dia 22 e até o dia 28, mais de 6 mil indígenas, de 176 povos de todas as regiões do Brasil, seguem mobilizados em Brasília em defesa de seus direitos, principalmente o direito à terra. É a maior mobilização indígena já realizada desde a Constituinte, com povos vindo de todas as regiões do Brasil entoando seus maracás na luta pela vida.
As comitivas indígenas com representantes de comunidades dos quatro cantos do país chegaram a Brasília depois de 3 ou 4 dias de viagem. Famílias, mulheres, anciãos, juventude indígena unidos e munidos com a força de quem resiste há mais de 521 anos, fazendo desta mobilização um grande e poderoso ritual.
Embora o Acampamento Luta pela Vida (ALV) conte com seis mil indígenas vindo de 176 povos do todo o Brasil, envolvidos em uma programação intensa de plenárias sobre a conjuntura política, debates com entidades e representantes políticos, a cobertura midiática ficou a cargo dos comunicadores e coletivos indígenas além de entidades parceiras e canais que reconhecem a luta dos povos indígenas. Nenhum grande veículo de comunicação cobriu o evento de forma a garantir real visibilidade à causa indígena, com exceção de pequenas notas e da Folha que veiculou uma matéria que traz na manchete o foco nos “famosos e na música.” e do JN de ontem, que exibiu reportagem. O que nos faz pensar no poder político do agronegócio e como essa teia de influência pode silenciar ou diminuir mobilizações como o ALV.
“O acampamento ‘Luta pela Vida’ já diz no nome os motivos que fazem os povos indígenas estarem, em Brasília, em plena pandemia. Estamos trabalhando todas as medidas sanitárias, incluindo a testagem dos participantes e reforçando a vinda de pessoas já vacinadas”, enfatiza Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
“Fazemos esse chamado, ainda durante a pandemia, porque não podemos calar diante de um genocídio e um ecocídio, que a Terra grita mesmo quando estamos em silêncio”, afirma o manifesto de convocação do Luta pela Vida divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O Acampamento Luta pela Vida (ALV), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vai ser palco de debates, protestos, atos, atividades culturais e reuniões com representantes dos três poderes para discutir a situação dos povos e terras indígenas no país. O ALV dá continuidade ao Acampamento Luta Pela Terra (ALT), que reuniu centenas de indígenas em Brasília em junho, para protestar contra as medidas anti-indígenas que vêm sendo tomadas pelo Congresso Nacional e pelo governo federal.
A interpretação do “marco temporal” defendida por políticos ruralistas e considerada por muitos juristas inconstitucional, restringe os direitos indígenas e abre caminho para maiores ataques, invasões e violências aos povos originários, seus territórios e suas vidas. De acordo com a tese do “marco temporal”, os povos indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição ou precisariam estar em disputa judicial ou conflito comprovado pela área na mesma data. A tese é perversa porque desconsidera expulsões e outras violências sofridas por essas populações. Além disso, ignora o fato de que eram tuteladas pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente até 1988.
O julgamento no STF que prevê o caso do povo Xokleng é considerado um dos mais importantes para os povos indígenas. Marcado para ontem (25) e adiado para a pauta de hoje (26), a votação foi novamente suspensa e postergada, desta vez para a semana que vem. Uma vez que a fala do ministro relator Facchin foi favorável aos povos indígenas, na próxima quarta-feira, 01/09, acompanharemos as manifestações das duas partes, tanto representantes indígenas e indigenistas quanto ruralistas. E a partir daí, será preciso analisar um cenário mais complexo, levando em consideração a correlação de forças políticas em torno das questões legais sobre o julgamento.
Na sequência da sessão, diretamente do acampamento, o advogado indígena Eloy Terena explicou que o julgamento que começou hoje foi um passo importante na luta porque ele foi finalmente iniciado. “Esta tese do Marco Temporal atinge todas as 829 terras indígenas que ainda estão em processo de demarcação, assim como as já demarcadas, uma vez que passam a ser questionadas no Judiciário. É por isso que o movimento indígena convocou essa grande mobilização nacional. É uma luta de todos.“, concluiu.
Em referência ao caso emblemático da T.I. Raposa Serra do Sol (2008), a deputada federal e coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI), Joenia Wapichana lembrou que pela primeira vez uma advogada indígena fez uma sustentação oral no STF. “Essa luta [ do marco temporal ] não é só do povo Xokleng, é de todos os povos indígenas. Vamos avançar, precisamos seguir em frente contra as ameaças aos povos indígenas. Em respeito à Constituição e aos povos originários. Não vamos deixar que haja retrocesso! Nenhum direito a menos!”.
A perspectiva agora é que algumas comitivas indígenas permaneçam em Brasília até a nova data do julgamento. Com isso, é provável que o acampamento se una à mobilização esperada para a II Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre 7 e 11 de setembro.
Com informações do Instituto Socioambiental.
Muita terra pra pouco índio? Não!
Para responder a essa pergunta, a Casa Ninja Amazônia publicou em suas redes alguns dados que colocam o direito dos povos indígenas a seus territórios em foco, mostrando que onde tem aldeia indígena tem floresta em pé.
Xingu em podcast
O Parque Indígena do Xingu completa 60 anos em 2021, com 6 mil pessoas de 16 etnias indígenas diferentes. O podcast ‘Xingu: terra marcada’, produzido pela Rádio Batuta conta a saga da demarcação do território e relata as ameaças frequentes aos habitantes. A série tem depoimentos de lideranças indígenas e pesquisadores, além de áudios pouco conhecidos. Parte das entrevistas foi feita por dois correspondentes no Xingu: Kamikia Kisedje e Takumã Kuikuro. A arte que ilustra esta página é uma criação de Waxamani Mehinako. Ouça aqui.
Aliança contra o garimpo
Em um encontro histórico, lideranças dos povos Kayapó, Munduruku, Yanomami, Ye’kwana e Xikrin se posicionaram contra o garimpo ilegal em suas terras. Reunidos no Acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, esses povos indígenas publicaram uma carta-manifesto, em que apontam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.
Modernismos em debate
Online e gratuito, o encontro tem como objetivo observar e discutir a histórica semana de 22 com um olhar crítico e contextualizando o episódio historicamente. No próximo dia 30, segunda-feira o evento discute as Artes indígenas: apropriação e apagamento, comparticipação de Denilson Baniwa. O evento é organizado pela Pina, Instituto Moreira Salles e MAC USP e terá transmissão pelo canal do YouTube das instituições.