Observatório Tucum

Redução de áreas protegidas é aprovada
A Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou mais uma mutilação de territórios protegidos no estado. Foram aprovados na Câmara estadual dois Projetos de Lei Complementar diferentes: um para revogar, por completo, a criação do Parque Estadual Ilha das Flores, que tem 89.789 mil hectares; e outro para reduzir em 6.566 hectares os limites da Reserva do Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Limoeiro. O ataque às Unidades de Conservação não é um fato isolado no estado de Rondônia. Estudo do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que, nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o desmatamento em áreas protegidas aumentou em 57%, entre os biênios 2017-2018, que precede o governo Bolsonaro, e 2019-2020, quando a gestão bolsonarista se iniciou. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que 1.085.100 hectares foram devastados na Amazônia Legal apenas no ano passado. Fonte: ISA

Brasil na contramão dos direitos originários
Em resposta ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021, que pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), procuradores de todo o país se manifestaram contrariamente ao texto do projeto. A nota na íntegra está no site da APIB. Fonte: APIB.



O epistemicídio num Brasil de muitas vozes
A partir de práticas e de pensamentos plurais, a edição deste ano do Festival de Inverno da UFMG propõe a chance de exercitar a escuta e ressoar as vozes dos muitos Brasis existentes no Brasil. No próximo dia 29, às 18h30, Célia Xakriabá e Edgar Kanaykõ Xakriabá dialogam partindo da perspectiva dos saberes indígenas, da antropologia e das artes, sobre os muitos epistemicídios sofridos, sublinhando a importância de praticarmos um pluralismo epistemológico, tecido de múltiplas vozes e visões de mundo. Gratuito, online e imperdível! Acesse aqui: https://www.youtube.com/culturaufmg

Festival de Inverno da UFMG apresenta Roda de Conversa Epistemicídio



Do eletrônico ao ancestral
A partir de uma imersão nas sonoridades indígenas, DJ ALOK está produzindo seu primeiro álbum autoral e todo o processo criativo está sendo registrado para uma minissérie documental com foco na investigação das raízes sonoras de povos originários brasileiros. Célia Xakriabá, Kunumi MC, Mapu Huni Kuin e Tashka Yawanawa são alguns dos indígenas que terão suas histórias contadas na produção, além de lideranças dos povos Kariri-Xocó, Huni Kuin, Yawanawa e Guarani. Via @Célia Xakriabá


A extraordinária jornada de Karapiru Awá
Karapiru faleceu em Santa Inês, no interior do Maranhão, na última sexta-feira, 16 de julho de 2021. A história da sua vida é extraordinária. Pertencente ao povo Awa Guajá, vivia isolado na mata com sua família, quando, nos anos 1970, sofreu uma emboscada de fazendeiros que circulavam na região. Ao ataque, sobreviveram apenas ele e um de seus filhos. O menino foi capturado pelos agressores. O pai fugiu. Passou dez anos escondido, sempre em movimento, sempre fugindo dos não indígenas. Percorreu sozinho centenas de quilômetros, do Maranhão até o norte da Bahia, onde, em meados dos anos 1980, topou com moradores de uma comunidade rural na cidadezinha de Angical. O seu aparecimento repercutiu na região, atraiu a atenção da Fundação Nacional do Índio e da imprensa do país inteiro. Ninguém sabia quem era ele, que língua falava ou por que estava ali. Em uma das inúmeras tentativas de solucionar o mistério, a FUNAI decidiu levar um intérprete Awa Guajá para falar com ele. Foi então que o rapaz, ao encontrar com Karapiru, olhou-o bem no rosto, reconheceu as marcas dos tiros em seu corpo – cuja dor ele carregaria pelo resto da vida – e concluiu: “Ele é meu pai”. O intérprete era, de fato, seu filho que fora abduzido anos antes. A partir desse reencontro, num movimento impensável do acaso, ele pôde restabelecer contato com a família e enfim voltar a viver junto de seu povo.

Na vida de Karapiru, a violência e a destruição promovidas pelo Estado brasileiro contra os povos indígenas foram uma constante ameaça. Sua fantástica saga de fuga tem uma dimensão que a maioria de nós sequer cogita experienciar. Apesar de ter ganhado o imaginário nacional na época, chegando a ser contada em filme décadas depois, essa história ecoa incontáveis outras, vividas tanto pelos Awa Guajá quanto por todos os povos indígenas no Brasil. Um processo longo e contínuo de genocídio que permanece, em sua maior parte, alienado do resto da sociedade. Para todos que tiveram ou terão a oportunidade de conhecer essa história, talvez o processo seja uma das maneiras mais intensas de superar essa invisibilidade em relação ao genocídio, de conferir-lhe materialidade, historicidade, de acessar e entender o ponto de vista de suas vítimas. Karapiru nos ensinava tudo isso, e ensinava com a doçura que lhe é característica: sempre sorrindo, sempre carinhoso com quem convivia com ele, uma doçura indestrutível, mesmo depois de tantas perdas, fugas, tanta violência vivida. A doçura como resistência.

Karapiru viu o genocídio de frente e carregou suas marcas no corpo, porém não resistiu à Covid-19. Já havia tomado as duas doses da vacina, mas diante dos altos níveis de circulação do Sars-CoV-2 que o Brasil ainda mantém, a proteção não foi suficiente. Os Awa Guajá têm, desde o início da pandemia, tentado se manter apenas em seus territórios, restringindo suas saídas apenas para casos de emergência de saúde. Houve, em 2020, também um esforço de parceiros e aliados para que fosse possível a manutenção desse isolamento e que houvesse um controle de entrada e saída de pessoas das terras indígenas, fossem elas indígenas ou não-indígenas. As estatísticas disponíveis hoje sobre a pandemia e os povos indígenas no Brasil, como as divulgadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Movimento Alerta, mostram que toda proteção e cuidado foram e continuam sendo fundamentais. A tragédia da pandemia no país, que está atingindo centenas de milhares de famílias, tem um forte viés racial e étnico, com os indígenas tendo proporcionalmente o maior número de casos, de internações e de vítimas fatais.

Karapiru Awá Guajá, 1998. Foto: Adelino Mendez.


Em 2021, as vacinas trouxeram a esperança de que a pandemia poderia ser controlada.Mesmo com a disseminação de informações falsas, gerando desconfiança em relação a elas, inclusive entre os povos indígenas, os Awa Guajá aderiram à vacinação de modo generalizado assim que as doses chegaram nas aldeias. Porém, como temos aprendido nos últimos meses, as vacinas protegem a sociedade e não os indivíduos. As mortes evitáveis continuam acontecendo aos milhares e o vírus continua circulando muito, com o agravamento de um consenso perigoso de que o pior já passou. Nessa pressão crescente pela retomada de eventos e atividades, no momento em que os riscos também aumentam, os povos indígenas enfrentam ainda uma das maiores ameaças aos seus direitos das últimas décadas, com a perspectiva de aprovação pelo Congresso Nacional do PL 490 e da adoção de jurisprudência favorável à tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal. As mobilizações e os protestos – quase sempre a única ferramenta que esses sujeitos dispõem para se fazerem visíveis e lutar por seus direitos, seus territórios, tal como assegurados na Constituição Federal – tão necessários neste momento, têm levado indígenas de todo o país a saírem de suas aldeias, colocando-se conscientemente em risco, em nome da luta. Isso inclui os Awa Guajá. Eles não querem que essa violência – a que Karapiru e seu povo enfrentaram a vida toda – continue a se perpetuar.

Karapiru foi, e o seu povo permanece sendo, testemunha de uma política de invasão, ocupação dos territórios indígenas, muita violência, doença e assassinato. Uma política da morte, para a qual a pandemia é, sobretudo, uma ferramenta oportuna, na medida em que contribui para a manutenção de seu projeto de aniquilação. Expressamos aqui a nossa indignação, saudade, nossos sentimentos e solidariedade ao povo Awa Guajá neste momento difícil.

Alexandre Werá, realizador audiovisual e ativista Mbya
Cristina Amaral, montadora
Eliane Cantarino O’Dwyer, antropóloga
Fábio Costa Menezes, realizador audiovisual
Flávia de Freitas Berto, professora e linguista
Guilherme Ramos Cardoso, antropólogo
Lirian Monteiro, antropóloga
Louis Carlos Forline, antropólogo
Marina Maria Silva Magalhães, professora e linguista
Paula Sobral, antropóloga
Renata Otto, antropóloga
Uirá Felippe Garcia, professor e antropólogo
Vincent Carelli, indigenista e cineasta

* Em 2015, a convite do cineasta italiano Andrea Tonacci, o líder indígena protagonizou sua própria história no filme “Serras da Desordem”, lançado em 2008 no Brasil. Saiba mais e assista o filme aqui: https://conexaoplaneta.com.br/blog/karapiru-awa-guaja-lider-indigena-que-sobreviveu-a-massacre-nos-anos-70-morre-de-covid-19/

Karapiru em um frame do filme “Serras da Desordem”, de 2008.