Movimento indígena: indígenas em movimento

“A eletricidade não vai nos dar a nossa comida. Precisamos que nossos rios fluam livremente. O nosso futuro depende disso. Nós não precisamos de sua represa”. Tuíre Kayapó, durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu (1989), em protesto à construção da Usina de Belo Monte. Foto: Protássio Nenê/Estadão.

Como se organiza o movimento indígena no Brasil? No mês da maior mobilização indígena do calendário nacional, trazemos um pequeno histórico da articulação política dos povos originários em suas frentes de luta

Seguindo o pensamento de Ailton Krenak, o modo mais apropriado para entender o movimento indígena é partir da ideia de indígenas em movimento. Contrapondo a visão estereotipada de lentidão equivocadamente associada aos povos originários, o conceito de movimento a partir da energia pulsante e característica de muitas sociedades indígenas reforça o quão vivas, dinâmicas, perspicazes, gestuais, festivas, rituais são as cosmologias destes povos.

O movimento indígena não é algo recente e nem se trata de uma “moda”, embora o interesse por suas culturas tenha crescido nos últimos anos. Os povos indígenas sempre estiveram em marcha pela defesa de suas vidas e se não fosse a resistência secular dessas populações, a devastação que testemunhamos hoje em seus territórios e no planeta, seria muito pior. Podemos dizer que, se ainda temos floresta em pé, é porque seus povos tradicionais seguem reexistindo.

Nas Américas, a história do movimento indígena tem seu marco no I Congresso Indigenista Americano, realizado no México em 1940. Deste encontro nasceu a Convenção de Patzcuáro, que teve o Brasil como um dos países signatários e estabeleceu, entre outras resoluções, a causa dos povos originários como de interesse público, a garantia de direitos à estas populações e a data de 19 de abril como forma de trazer à tona a causa indígena. No Brasil, o movimento indígena ganhou força a partir dos anos 70, diante da lógica expansionista difundida pela ditadura militar.

Na época, a extrema violência contra os povos indígenas sensibilizou setores civis da sociedade brasileira, que articuladas com as organizações indígenas, começaram a denunciar a situação de abandono e perseguição a que estes povos estavam submetidos. O Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, (CNBB) em 1972, foi um desses órgãos criados em apoio ao movimento indígena.

Em 1982, o I Encontro Nacional dos Povos Indígenas aconteceu em Brasília, com a presença de 48 povos, numa tentativa de unificar no âmbito nacional o movimento indígena através da União das Nações Indígena, entidade que acabou deslegitimada por não atender às necessidades dos povos representados. A Aliança dos Povos da Floresta foi outra associação criada na mesma época, que trazia além de indígenas grupos extrativistas, como seringueiros. No ano seguinte, o cacique xavante Mário Juruna, da aldeia Namunjurá (MT), foi eleito como primeiro deputado federal indígena pelo PDT – RJ. Único indígena a transitar pelo Congresso, Juruna ficou conhecido por andar com um gravador a tiracolo para que pudesse provar o que tinha sido prometido e não cumprido, assim como ameaças que recebia e o descaso com que as pautas indígenas eram tratadas. Ao longo de seu mandato, Juruna criou a Comissão Permanente do Índio, que depois se tornaria a Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara.

Diante da necessidade de maior representação, as organizações indígenas ampliaram as mobilizações regionais potencializando uma maior consciência política em torno da questão indígena. Com a colaboração de antropólogos, organizações não-governamentais, pesquisadores e iniciativas ligadas às Universidades e às missões religiosas, o movimento indígena conquistou maior autonomia, atuando com maior protagonismo em suas lutas. A participação de lideranças na Assembleia Constituinte de 1987 foi um marco para o movimento indígena brasileiro num contexto de redemocratização do país. Delegações de diversos povos ocuparam Brasília em uma ação fundamental para a conquista de maior visibilidade e amparo legal na Constituição cidadã de 1988.

“O povo indígena tem um jeito de pensar, tem um jeito de viver. Tem condições fundamentais para sua existência e para a manifestação de sua vida e de sua cultura que não coloca em risco sequer a vida dos animais que vivem em volta das terras indígenas.” Aílton Krenak, em discurso histórico na Assembleia Constituinte.


Aos poucos, os coletivos locais consolidaram-se em células políticas e as organizações formalizadas enquanto instâncias de representação, criação e disputa. Ativo e combativo, o movimento indígena é esse grande levante coletivo de luta pelo direito à terra e à vida. Sob ameaça de extinção, como aconteceu com tantas sociedades indígenas exterminadas por um projeto de dominação desde os tempos da invasão, estas populações que hoje somam 305 povos no Brasil lutam todos os dias, dentro e fora de seus territórios para que possam manter vivas suas culturas e continuar transmitindo seus saberes e seus modos de viver e fazer.

O período entre os anos 80 e 90 foram tempos de muita resiliência, organização e trabalho nas bases do movimento indígena. A violenta onda de invasões garimpeiras nas terras yanomami que culminou no massacre de Haximu (RR), o assassinato de indígenas Tikuna no Alto Solimões (AM) e o extermínio de diversas lideranças indígenas e seus aliados fez com que diversas assembleias indígenas fossem organizadas pelas comunidades Brasil afora unificando forças pelo direito à vida.

Estima-se que em 1985 havia no Brasil menos de 50 organizações indígenas. Em 1990 esse número dá um salto para aproximadamente 100 organizações, chegando em 2002, somente na Amazônia, identificamos cerca de mais de 300 organizações indígenas¹ (Fonte: PDPI – Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas).

Em 2004 acontece uma importante articulação entre as principais organizações indígenas e indigenistas do país que criam o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas. O fórum passa a servir de suporte às mobilizações do Abril indígena, em especial do Acampamento Terra Livre (ATL), na Esplanada dos Ministérios. Na segunda edição do ATL, em 2005, nasce a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a APIB, consolidando as estruturas para a contínua mobilização nacional, aglutinando as organizações regionais indígenas.

Em 2018, 35 anos depois da eleição de Juruna, a primeira advogada indígena do país, Joenia Wapichana, foi eleita deputada federal no Brasil. E de lá pra cá, o que estamos vendo é um grande levante indígena em curso no país. Durante a potente II Marcha das Mulheres Indígenas, em 2021 em Brasília, nasce a ANMIGA, Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade. Guerreiras de todos os biomas brasileiros unidas pela defesa da terra, que é a mãe de todas as lutas.

Depois de anos de um governo facista, de perseguição e extermínio dos povos originários, podemos comemorar a criação de um Ministério dos Povos Indígenas sob o comando de uma originária, a liderança Sônia Guajajara. Com secretarias compostas de outras mulheres indígenas como Juma Xipaia, do bioma amazônico (PA), Kerexu Guarani, mulher-bioma da Mata Atlântica (SC), Ceiça Pitaguary, representando o Nordeste (CE), entre outras, a primeira ministra indígena do Brasil tem pela frente desafios complexos mas não anda só. Contando com o apoio de seu povo e do movimento indígena como um todo, assim como de organizações não-indígenas, nacionais e internacionais, o MPI tem atuado pela reconstrução do país sob a perspectiva indígena, lutando pela integridade de povos em situação de conflito. A nomeação de Joenia Wapichana para presidir a Fundação dos Povos Indígenas (Funai) também aponta novos caminhos para o principal órgão indigenista do Brasil que nunca teve um representante indígena na presidência, assim como a eleição de Célia Xakriabá como líder da Bancada do Cocar no Congresso e chefe da Comissão pela Amazônia fortalece ainda mais o momento de aldear a política oferecendo novos amanhãs possíveis a partir de um reflorestar de mentes.

Atualmente diversas associações representam diferentes povos, costumes, histórias e biomas vêm abrindo caminhos e demarcando novos territórios neste imenso território indígena chamado Brasil. A APIB, principal organização indígena de âmbito nacional, é composta por instâncias regionais que atuam na ponta, somando forças numa representação local de das lutas que são de todos.

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
APOIME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, com atuação nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Conselho do povo Terena, atua no MS junto a representantes do povo Guarani, Kaiowá e Kinikinau.
Aty Guasu, grande assembleia do povo Guarani
Comissão Guarani Yvyrupa
Arpinsudeste – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas do Sul

Outras organizações indígenas:

ARPIPAN – ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO PANTANAL (MS)
ATIX: ASSOCIAÇÃO TERRA INDÍGENA XINGU (MT)
CIR: CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA (RR)
FOIRN: FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO (AM)
HUTUKARA – ASSOCIAÇÃO YANOMAMI (RR)
OIP – ORGANIZAÇÃO INDÍGENA POTIGUARA DA PARAÍBA (PB)
ASSOCIAÇÃO INDÍGENA TREMEMBÉ DA ALDEIA SÃO JOSÉ (CE)
ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA INDÍGENA GUARANI TJERU MIRIM BAÉ KUAA’I (SP)

Referências: Movimento e organizações indígenas no Brasil. CIMI. https://cimi.org.br/2008/07/27614/#:~:text=Na%20IV%20Assembl%C3%A9ia%20Geral%2C%20em,ind%C3%ADgenas%20hoje%20conhecidos%20na%20regi%C3%A3o.

Funai. http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/contatos/parceiros-institucionais/

APIB Oficial. https://apiboficial.org/sobre/