Katoeté! A beleza da arte do Povo Parakanã Copy

No início deste ano, a Tucum teve o privilégio de participar da I Assembleia Geral do Povo Parakanã, que aconteceu na Terra Indígena Apyterewa, região do médio Rio Xingu, Pará. Fomos convidados pela TNC – The Nature Conservacy para contribuir com a nossa visão e experiência com outras etnias que têm no artesanato uma fonte de renda e também uma importante alternativa para a preservação da cultura de suas aldeias.

Rumo à T.I. Parakanã, rio Xingu
Rio Xingu.

 

Com o apoio da TNC e Funai, os Parakanã estão desenvolvendo seu Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), e foi a partir das discussões sobre este Plano, que a comunidade elegeu o artesanato como ação prioritária, no eixo Manejo dos Recursos Naturais. PGTA é como são chamados os documentos que ajudam a organizar o uso da região, de acordo com as prioridades definidas pela própria comunidade. Esse plano define, por exemplo, ações para gerar fontes de renda sustentáveis dentro das aldeias e para desenvolver um plano de monitoramento do território, fundamental para evitar invasões.

 

Navegando no Xingu.
Navegando no Xingu, rumo à Terra Indígena Apyterewa.

 

Neste contexto, a Tucum aceitou o convite e partiu Xingu a dentro para participar desse momento tão importante. Além da oportunidade de conhecer a cultura, as artesãs e os moradores da T.I. Apyterewa, nosso desafio incluía realizar uma oficina sobre a cadeia produtiva do artesanato, com foco em gestão e produtos. Embarcados numa “voadeira” – pequeno barco a motor, em companhia da Gerente do Campo Xingu/TNC, Alexandra Freitas, do Coordenador Regional da FUNAI, Luciano Pohl e do Chefe-Adjunto do ICMBio/Altamira, Walter Falcão, foram cerca de dez horas navegando pelos labirintos das águas xinguanas até a casa dos Parakanã. A viagem estava apenas começando!

 

DSC_0209
Chegando na Terra Indígena Apyterewa, depois de dez horas de viagem pelo rio Xingu.

 

Já na aldeia, Eduardo Barnes, Especialista em Políticas Indigenistas/TNC, a consultora Isa Guedes, Roberto Costa (FUNAI) e Edimilson Cinésio (CGEtno) mais as cozinheiras especiais dona Nika e Gerlane nos aguardavam.

 

Nossa casa, no lado "branco" da aldeia Apyterewea.
Nossa casa, no lado “branco” da aldeia Apyterewea.

 

Quem são os Parakanã?

Os Parakanã são indígenas falantes de língua tupi-guarani e desde uma cisão interna ocorrida no final do século XIX, dividem-se entre Orientais, habitantes da T.I. Parakanã, na bacia do Tocantins e Ocidentais, que vivem na T.I. Apyterewa, na bacia do Xingu. Autodenominados Awaeté, que quer dizer em tupi “gente verdadeira”, os Parakanã que habitam o rio Xingu trazem muitos aspectos de uma história de contato relativamente recente com os Toria (Brancos, não-indígenas), realizado em meados dos anos 70, em sua organização social. Saiba mais sobre os Parakanã, aqui no ISA – Instituto Socioambiental.

 

Dança tradicional Parakanã na validação do PGTA
Dança tradicional Parakanã na validação do PGTA.

 

 

T.I. Apyterewea
T.I. Apyterewea

 

Cinco aldeias fazem parte da T.I. Apyterewa: Apyterewa, Xingu, Paranopiona, Xahy-Tata e Kwarahya Pya ou Raio de Sol. Cada aldeia tem um cacique e um vice-cacique, responsáveis por gerenciar e representar a aldeia dentro da T.I. e fora dela. Além do cacicado, os anciãos também desempenham um papel muito importante na aldeia, como detentores da sabedoria tradicional e transmissores dessa memória.

 

Assembleia PGTA Parakanã
Assembleia de validação do PGTA Parakanã / T.I. Apyterewa

 

Diante da implementação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a Terra Indígena Parakanã, assim como territórios de outros povos indígenas e tradicionais da região, é uma área sob forte impacto desse empreendimento. Situada entre os municípios de Senador Porfírio e São Félix do Xingu, a comunidade da T.I. Apyterewa vem se organizando social e politicamente para proteger seus territórios, gerir os recursos naturais de suas terras e resgatar suas tradições. O não-cumprimento de muitas ações do PBA-CI (Plano Básico Ambiental do Componente Indígena), como medida compensatória do impacto social, cultural e ambiental causado pela UHE, assim como o esvaziamento das aldeias em direção à cidade pelos mais jovens, ocasionando na desconexão com os costumes e a intrusão de seus territórios tradicionais, são algumas das consequências negativas do contato com não-indígenas que o Povo Parakanã têm trabalhado para reverter.

 

Palmeira de Tucum, presente ao longo da bacia do Xingu e matéria-prima fundamental para o artesanato Parakanã.
Palmeira de Tucum, presente ao longo da bacia do Xingu e matéria-prima fundamental para o artesanato Parakanã e de muitos povos indígenas.

 

Fluxograma de matéria-prima utilizadas no artesanato, desenvolvido pela consultora Isa Guedes junto às artesãs Parakanã.
Fluxograma de matérias-prima utilizadas no artesanato, desenvolvido pela consultora Isa Guedes junto às artesãs Parakanã.

 

Uma das ações previstas neste sentido é a criação do Centro Parakanã, espaço destinado à formação de novos agentes indígenas, discussão, troca de ideias, resgate e pesquisa rumo a essa nova caminhada social e política. Atores dessa nova geração, que leva adiante o projeto de revalorização cultural e inserção atuante no que diz respeito aos direitos e potencialidades de seu povo, Aweté Parakanã (da aldeia Xingu) e Kaworé Parakanã (da aldeia Apyterewa) foram facilitadores e tradutores durante os trabalhos da Tucum na aldeia.

 

Aweté Parakanã e Kaworé Parakanã traduzindo do português para a língua indígena as discussões ao longo da Assembleia.
Aweté Parakanã (de regata preta, à esq.) e Kaworé Parakanã (dir.)  traduzindo do português para a língua indígena as discussões ao longo da Assembleia.

 

O artesanato Parakanã

São as mulheres que detém a maior parte do conhecimento e da produção do artesanato Parakanã. Das mãos femininas, fibras de tucum, sementes nativas, linhas de algodão, miçangas, palhas e cipós ganham forma de cestos (Yrynokoa), redes (Iapoa), acessórios como bolsas (Yrynokoa), colares (Xorepevara) e pulseiras (Mapypewara), além de roupas (Wapironga), tipoias (Tapaxa), faixas de cabeça (Akywawa) vassouras (Ytyapeiwa) e cerâmicas (hoje, são apenas algumas mulheres mais velhas que detêm a técnica de feitio artesanal deste produto). Na Internet, quase não há informações disponíveis sobre os produtos Parakanã, o que aumentou nosso sentimento de responsabilidade antes de iniciar este trabalho de apresentar nossa metodologia de estruturação da cadeia produtiva do artesanato, e também de promover a arte e a cultura deste povo, através da Tucum.

 

DSC_0397

 

A variada e inventiva cestaria Parakanã é o que mais chama atenção. A arte de trançar as fibras de tucum, o cipó titica e outras fibras e palhas da região faz parte dos saberes que as mais velhas transmitem às mais novas, criando assim, novas gerações de artistas. Mas engana-se quem pensa que a técnica é estática; novos elementos como linhas de algodão coloridas, sementes e novos desenhos de trançado e modelos de alças são incorporados à cestaria tradicional, dando origem a diversos tipos de cestos.

 

Artesã e seu cesto de fibra de tucum.
Artesã e seu cesto de palha trançado com fibra de tucum.

 

As pulseiras de miçanga carregam grafismos típicos do médio Xingu e da cosmologia Parakanã, que tem a flecha como um de seus símbolos mais importantes. Pulseiras e colares combinando miçangas variadas e sementes como mulungu, bananeira brava, jarina, maracá, entre outras, também são feitas à mão pelas artesãs, além de redes e tipoias feitas de fibras de tucum e algodão colorido.

 

DSC_0488

 

Entre os objetos tradicionais e rituais, estão o opetymo, com tabaco posto no interior do cigarro feito de entrecasca do tauari (petyma’ywa, ‘árvore do fumo’), utilizado durante a Festa do Cigarro, que dura de três a quatro dias. Opetymo, segundo o antropólogo e pesquisador Carlos Fausto, significa provavelmente “comer tabaco” e a ingestão da fumaça é parte central do ritual, que envolve cantos e danças, e possui caráter xamânico e guerreiro ao mesmo tempo, invocando uma consciência alterada, de “sonhador”.

 

DSC_0484
Cigarro ritual ou opetymo.

 

DSC_0765
A Manakoa é um tipo de cesto cargueiro antigo, construído rapidamente com folhas de palmeiras para carregar caça pela floresta e armazenar alimentos e pequenos objetos.

 

O trabalho da Tucum: transparência e precificação participativa

A primeira coisa que a gente percebe ao visitar uma nova comunidade é que cada Povo tem suas inúmeras particularidades, em seus modos de fazer e existir, o que nos enriquece e também nos traz novos desafios. No caso dos Parakanã, o trabalho de auxiliá-los no processo de fortalecimento da cadeia produtiva está ainda no primeiro estágio, mas já deu pra perceber que se depender da vontade e da criatividade das artesãs, essa arte tem tudo para estar não só na Tucum, mas por todo o Brasil e no mundo.

 

Aweté Parakanã traduzindo a apresentação da Tucum.
Aweté Parakanã traduzindo a apresentação da Tucum.

 

 

 

DSC_0655
Artesã da aldeia Paranopiona e suas criações: colares, tipoia, faixa de cabelo e cesto enfeitado com sementes.

 

A pintura corporal, feita de jenipapo, também faz parte da arte Parakanã, embora não seja tão explorada fora dos corpos. Resolvemos então, fazer uma experiência e distribuímos tecidos, para que as mulheres pudessem pintar seus grafismos ali. O resultado foi muito positivo e gratificante – para nós e para todos. Iniciativas assim deixam claro que inovação não é inimiga da tradição e não há limitações na arte indígena, sendo possível ampliar potencialidades mantendo o modo de fazer tradicional.

 

DSC_0522

DSC_0541

 

Receptivos, criativos e atuantes no desafio de fazer valer seus direitos, costumes e tradições, os Parakanã mostraram-se determinados a transformar o artesanato em um dos objetos desse resgate cultural, e por consequência, fonte geradora de renda para as famílias. A cada dia na aldeia, mais peças chegavam e junto com elas, mais mulheres, de todas as idades, interessadas em retomar e intensificar o ofício transmitido há tantas gerações.

 

IMG_2366
Exposição com os primeiros desenhos feitos de jenipapo em tecido. (Foto: Isa Guedes)

 

Na reta final da nossa visita e entre outras discussões em curso na aldeia, apresentamos o trabalho da Tucum, exemplificando com vídeos e fotos nossa atuação junto a outros povos indígenas parceiros. Preparamos um material unindo pilares como produto, gestão, comércio justo, precificação transparente, comunicação e comercialização para que ficasse na aldeia para futuras consultas e com a ajuda de Aweté, fazendo as vezes de “gestor” e tradutor, íamos precificando peça a peça com cada artesã e chegávamos a um preço final, sempre maior do que o inicial, dado por elas. Mostramos a importância de calcular o custo justo de cada peça e não simplesmente ceder à oferta de quem quer comprar.

 

(Foto: Isa Guedes)
Fila de artesãs e seus produtos. (Foto: Isa Guedes)

 

Enfim, chegávamos ao momento de ver reunido todo o artesanato que as artesãs Parakanã tinham preparado para apresentar. Sob a tekatawa, espécie de ágora Parakanã, fomos apresentados às belezas feitas à mão pelas mulheres. Nesta primeira visita, nosso plano era fazer uma compra-mostruário. Não compraríamos muito, mas pelo menos um item de cada artesã seguiria de volta com a gente, para montar a primeira coleção Parakanã.

 

Compra da Tucum na aldeia Apyterewa.
Compra da Tucum na aldeia Apyterewa.

 

Uma encomenda ficou destinada às artesãs, tendo Aweté atuando como ponte nessa rede. A ideia é “esquentar” a produção, estimulando as artesãs a produzirem produtos diversificados e cada vez mais bem-acabados, até que a parceria se consolide e a cadeia do artesanato Parakanã possa tornar-se autônoma e protagonizada pelos próprios indígenas.

 

Artesãs Parakanã, das cinco aldeias da T.I. Apyterewea e suas criações. (Foto: Isa Guedes)
Artesãs Parakanã, das cinco aldeias da T.I. Apyterewea e suas criações. (Foto: Isa Guedes)

 

De acordo com a antropóloga e consultora do Plano Isa Guedes, que também esteve conosco nessa viagem, para os Parakanã, “olhar para o futuro significa dar vazão aos sonhos e perspectivas de mudanças compartilhadas pelo Povo. Sonhar possui um significado simbólico de grande expressão na cultura Parakanã, pois é durante os sonhos que dialogam com que há de mais sagrado em sua cultura e, também, o canal por onde se conectam com os espíritos, que ensinam caminhos e práticas a serem seguidas. “ É na direção desse olhar e desse sonho que esperamos poder colaborar com a recuperação dos valores tradicionais deste povo guerreiro e carismático. Oropotarete povo Parakanã, foi muito bom conhecer vocês! Até breve!

 

No nosso último dia de aldeia, as crianças estavam por onde a gente andava. <3
No nosso último dia de aldeia, as crianças estavam por onde a gente andava. <3

 

O resultado dessa imersão à cultura Parakanã em forma de cestos e outros produtos já está disponível na loja da Tucum em Santa Teresa e em breve, na Tucum online.