Cestaria Yanomami: o encontro dos saberes tradicionais e científicos

Acima, Luiza Góes de Lima Yanomami e seus cestos Motorohima. Abaixo (esq.), exemplos de Wɨɨ e Motorohima. Fotos: Roberto Almeida/ISA e Rogério Assis/ISA

O povo Yanomami vive na densa floresta Amazônica, na região de Roraima, área reconhecida por sua extrema relevância na preservação da biodiversidade do bioma amazônico. Esta floresta é denominada por eles urihi, a terra-floresta: trata-se de uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos. 

Portanto a proteção de seu território é considerada pelos Yanomami como fundamental não apenas para a garantia dos recursos necessários para sua sobrevivência, mas também para o equilíbrio do mundo. E todo o seu dia a dia está em profunda conexão com a mãe terra.

E não seria diferente com a produção do artesanato, já que as artesãs Yanomami fazem a coleta das matérias primas utilizadas de forma sustentável, provando que é possível se utilizar dos recursos naturais para fins econômicos sem destruí-los. 

O artesanato é uma fonte de renda sustentável para o povo Yanomami, movimenta a economia da floresta e contribui para a autonomia das artesãs e de suas comunidades.

Cestaria Yanomami

Cada um dos cestos produzidos pelo povo Yanomami guarda uma história, carrega a força e a beleza da cultura do seu povo e se conecta com o seu cotidiano. O formato e as linhas circulares da cestaria Yanomami estão presentes na forma concêntrica que eles interagem com a floresta, dispondo suas casas (xapono) no centro, e ampliando o raio para as áreas de plantio e de caça. 

Cesto Xohete com linhas circulares.

Os grafismos únicos tecidos ou pintados pelas habilidosas mestras artesãs também trazem formas circulares e elementos que remetem a rica cosmologia Yanomami, como o desenho do couro das cobras Jibóia e Sucuri. No entanto não há uma rigidez de estilo, os conhecimentos ancestrais se renovam no fazer de cada cesto, mantendo-os vivos e pulsantes.

Tradicionalmente, as artesãs usam os cestos Wɨɨ, os  mais altos, para carregar a coleta da roça e armazenar lenha. Já o cesto Xotehe, que é mais baixo e aberto, é utilizado para armazenar alimentos em casa. 


Além dos modelos mais tradicionais, existem variações que as artesãs Yanomami aprenderam com outros povos indígenas do Alto do Rio Negro, como o cesto com tampa chamado Motorohima.


Entremeando o cipó claro a um fungo semelhante a um fio preto com brilho singular, as mulheres Yanomami tecem os grafismos tradicionais, que eventualmente podem ser harmonizados com pinturas feitas de tinta de urucum e outros pigmentos naturais. 

Segundo contam as próprias artesãs da região de Maturacá, a aplicação desse fungo chamado përɨsɨ na cestaria, inédito entre povos indígenas, remonta à década de 1970. Ou seja, utilizar um fungo escuro, semelhante a um fio resistente e brilhante, pode ter sido uma solução recente e inovadora para, em última instância, mudar toda a cadeia produtiva do artesanato local.

As mulheres Yanomami além de artesãs, são agricultoras, têm filhos e trabalham em associações indígenas pelo seu povo. Essas guerreiras são o espírito de luta pela coletividade, e atualmente também contribuem para descobertas científicas, reafirmando o protagonismo da mulher indígena no registro de seus conhecimentos.

Elidiane Góes Yanomami avalia os cestos recebidos durante a assembleia. Foto: Roberto Almeida/ISA

Pesquisadoras indígenas descobrem fungo utilizado na cestaria Yanomami

Pouco se sabia sobre o përɨsɨ, esse fungo semelhante a um fio preto e resistente que é utilizado pelas artesãs Yanomami há mais de 50 anos para criar os grafismos únicos presentes em suas cestarias.

Até o momento em que Floriza da Cruz Pinto Yanomami e Maria de Jesus Lima Yanomami encontraram o natohipë, um fungo semelhante ao përɨsɨ, que foi essencial para que a etnomicóloga Noemia Kazue Ishikawa e o botânico Jadson Oliveira, ambos do Inpa e anfitriões das Yanomami, entendessem que o parentesco entre as espécies indicava, de fato, que o përɨsɨ era um rizomorfo. Isto é, uma estrutura de fungo que se assemelha a uma raiz.

E foi do encontro desses dois universos, a sabedoria tradicional e a acadêmica, que nasce o livro Përɨsɨ — o fungo que as mulheres Yanomami usam na cestaria, em edição bilíngue Yanomami — Português, onde a nova descoberta é descrita e registrada.


Representadas por Floriza e Luiza Góes de Lima Yanomami, as artesãs Yanomami foram celebradas no Museu da Amazônia, em Manaus, orgulhosas de sua pesquisa e de seus cestos, em evento com participação de pesquisadores e da imprensa, como autoras dessa importante descoberta científica.

É importante destacar o protagonismo das mulheres Yanomami no registro de seus conhecimentos e na descoberta deste novo fungo, que além de contribuir para o universo científico também valoriza seus saberes e o artesanato que produzem.

Se você ficou curioso(a) para saber mais sobre como o përɨsɨ é coletado, como é utilizado na cestaria Yanomami e conferir na íntegra o resultado das descobertas dessas pesquisadoras indígenas é possível fazer o download gratuito do e-book  “Përɨsɨ — o fungo que as mulheres Yanomami usam na cestaria” no site do ISA, clicando aqui.


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