Abril indígena – por Alice Pataxó

Abril se tornou um mês marcado pela articulação e pelos debates voltados às lutas e conquistas dos povos indígenas no Brasil. Estamos falando de um movimento que pretende contar as histórias que a história não conta, denunciando as diversas arbitrariedades do Estado brasileiro contra seus povos originários, o genocídio escancarado e não noticiado que acontece todos os dias, através da memória das novas gerações que guardam e honram as histórias de seus ancestrais.

Por muito tempo nossos povos foram silenciados, obrigados a se enxergar em uma nova língua. Língua, que, segundo a colonização, nos tornaria sociedade e nos livraria da essência de ser indígena. Mas foi justamente o ser indígena que se tornou nossa maior arma de luta pela conquista de nossos direitos nas décadas de 80 e 90 quando uma nova história começou a ser escrita. Foi quando importantes debates se formaram e algumas batalhas foram conquistadas, desde os direitos indígenas na Constituição Federal de 1988 à ratificação da Convenção nº 169 da OIT- Organização Internacional do Trabalho no Brasil, em 2002. Foi um marco para o início de uma nova história, de povos que tiveram que lutar pelo direito de ser e estar, pelo direito de pertencer à sua própria terra.

A existência dos indígenas só era lembrada no dia 19 de Abril, dia de uma homenagem distorcida a nossos povos. Em comemoração ao dia do “índio” estereotipado, apropriado e personagem de uma história escrita por quem dominou os povos indígenas do Brasil não lhes dando a chance de contar seu passado de sofrimento, escondendo marcas do passado. Depois de anos de discurso sobre nossas populações reduzidas e desaparecidas pelo Brasil, nos resumindo como povos isolados na Amazônia andando nus e enfeitados com penas, deixaram de contar que somos diversidade, o quanto somos sociáveis, que falamos diversas línguas, que não nos resumimos a tupis e guaranis.

A articulação das lutas e o protagonismo indígena nos faz olhar hoje, 521 anos após a invasão de nossos territórios disfarçada de descobrimento, nossas verdadeiras e numerosas faces. O orgulho e a presença indígena se fortaleceram no Brasil, mas a luta continua em nome da demarcação de territórios e de espaços como as Universidades também. A força do nossos ancestrais começa um novo movimento, o de ser visto, ser lembrado, ser desmistificado.

A Tucum Brasil vem fortalecer esse Abril de luta, fortalecendo novas narrativas indígenas através da voz, da arte e da escrita de quem vive essa realidade todos os dias. O mês de Abril é um novo marco, não o do descobrimento, mas o da descolonização.

* Alice Pataxó é ativista e comunicadora indígena do povo Pataxó, BA. Fundadora do Canal Nuhé, Alice ao longo do mês de abril vai compartilhar seus textos e reflexões aqui no Blog da Tucum.