Guerreiras Samela Sateré-Mawé, Txai Suruí, Célia Xakriabá e Juma Xipaya. COP 26, Glasgow, 2021. Foto: Bitate uru Eu Juma.
Mulheres indígenas avançam na demarcação de territórios dentro e fora das aldeias mostrando que política se faz todo dia e de forma coletiva
O Dia Internacional da Mulher entrou para o calendário mundial em 1977, como símbolo da luta das mulheres por equidade e igualdade no acesso a oportunidades. Desde então, a data virou marco para refletir e discutir o o lugar social das mulheres, ouvir suas vozes e com isso, abrir caminhos para que as mulheres estejam de fato onde elas queiram estar.
A história das mulheres é marcada por sucessivas batalhas por direitos, e se tem alguém que sabe o significado da palavra “luta” são as mulheres indígenas. Ao longo de mais de 520 anos, elas carregam a resistência e a resiliência em seus corpos-territórios, fazendo da política uma prática diária e coletiva, associada tanto à ancestralidade das que vieram antes quanto à transmissão de seus conhecimentos às mais jovens. Na insistência de se manterem vivas e junto com elas, os saberes e os modos de viver de seus povos, as guerreiras originárias ocupam trincheiras dentro e fora das aldeias, descolonizando o feminismo em busca de maior protagonismo na sociedade.
O direito à terra, o combate à exploração ilegal de madeira e minério em seus territórios, a contaminação dos rios que banham suas comunidades, a expansão violenta do agronegócio, a luta constante por direitos fundamentais como o acesso à saúde e à educação especializada, a batalha contra a invisibilização, contra a violência doméstica e ao feminicídio são apenas algumas das bandeiras levantadas pelas mulheres indígenas no Brasil. Não é à tôa que elas são chamadas de guerreiras.
Observando as lutas indígenas, fica bem nítido que as mulheres já exercem importantes papéis de liderança, em suas famílias, comunidades e núcleos produtores. Mas as vozes dessas mulheres ainda não chegam onde precisam estar e é por isso que vemos nascer mais e mais organizações e associações indígenas lideradas por e para mulheres, como a ANMIGA entre outras, que procuram fortalecer mulheres amplificando suas vozes no intuito de transformar suas lutas em políticas públicas.
Segundo dados da pesquisa Vitórias-Régias, feita pelo Instituto Igarapé em 2020, entre 125 ativistas da região amazônica pelo menos 100 já sofreram algum tipo de violência por conta de sua atuação em nome dos direitos humanos ou do meio ambiente. Notícias sobre perseguições e ataques a líderes, rezadoras, ativistas, pesquisadoras e outras sabedoras e fazedoras indígenas são recorrentes e mostram os sobressaltos aos quais estas mulheres e suas famílias são expostos dia a dia, na luta pela vida. Ainda assim, uma grande onda de lideranças femininas ganha cada vez mais força, rasgando espaços, ocupando posições de destaque e assumindo o protagonismo das narrativas de si e dos seus. Um levante está em curso e quem vê a pisada firme e ligeira destas guerreiras percebe que elas não vão recuar, muito menos desistir quando dizem “nenhum direito a menos!”.
Vindas de povos diferentes entre si, muitas mulheres indígenas são fruto de cosmologias matriarcais, como o povo Tupinambá de Olivença, que habita o sul da Bahia e que tem no nome de Glicéria de Jesus hoje uma de suas maiores lideranças. Outras, como Ô-é Paiakan, do povo Kayapó ou Majur Traytowu, do povo Boé-Bororo, foram eleitas cacicas por suas atuações na defesa de seus povos. Histórias como as das irmãs Putanny e Hushashu Yawanawá que, depois de longos meses de preparação intensa tornaram-se pajés, desafiando a tradição e a desconfiança inicial dos Yawanawá em ter pela primeira vez mulheres ocupando o lugar sagrado de líderes espirituais de seu povo, mostram que os novos tempos sopram ares femininos.
Aldeando a política
No ranking internacional de participação de mulheres na política, o Brasil ocupa a 142a posição e embora os partidos sejam obrigados a destinar 30% de suas cadeiras a candidatas, ainda temos um longo caminho para que esta cota seja efetivamente uma via de ocupação feminina dentro das legendas partidárias. Em busca de maior participação, as mulheres indígenas estão cada vez mais mobilizadas na luta por direitos, fazendo-se presentes tanto em suas comunidades quanto nas universidades, nos espaços de cultura e de comunicação e em organizações políticas. A importância da inserção de mulheres indígenas na política partidária faz parte de uma nova era em direção a uma maior representatividade em todos os espaços possíveis da sociedade, inclusive nas bancadas.
Ocupando o Congresso Nacional desde 2018, a primeira advogada indígena Joênia Wapichana foi eleita deputada federal. Unindo seus conhecimentos tradicionais aos jurídicos, a sustentação oral de Joênia foi fundamental na conquista da demarcação contínua da terra de seu povo, a T.I. Raposa Serra do Sol, (RR) em 2009.
“Chega de falarem por nós!” A declaração de Sônia Guajajara foi feita em 2018, em plena campanha eleitoral à vice-presidência da República e não deixa dúvidas quando o assunto é romper barreiras na direção da autonomia e do protagonismo indígena. Sônia é indígena do povo Arariboia (MA) e tem uma longa estrada de atuação nas articulações de base sendo hoje um dos maiores nomes do movimento indígena no Brasil. Em nome da “mãe de todas as lutas” que é a luta pela terra, ela coordena uma das mais representativas entidades indígenas em atividade no país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Vozes como a de Joênia e Soninha, entre as de tantas outras veteranas como Telma Taurepang (que deve concorrer ao Senado representando RR) e Raimundinha Pankará, ecoam a força de suas ancestrais ao mesmo tempo em que amplificam novas falas. Ativistas como Alessandra Munduruku, Shirley Krenak, Célia Xakriabá, Puyr Tembé, Juma Xipaya, Sam Sateré-Mawé, Alice Pataxó, Txai Suruí, Daiara Tukano, Naine Terena, Julie Dorrico, Moara Tupinambá, Luana Kumaruara, Day Molina, Kaê Guajajara, Katú Mirim e muitas outras mulheres compõem essa grande e diversa rede indígena e feminina de luta, demarcando territórios nas aldeias e nas cidades, assim como nas redes sociais, nas artes, na academia, na literatura, na moda, na música e em qualquer outro espaço onde elas achem por bem ocupar .
Demarcando as urnas em 2022
As eleições de 2020 representaram um marco importante para o movimento indígena, com 234 indígenas eleitos para cargos municipais. No total, foram 10 prefeitos, 11 vice-prefeitos e 213 vereadores. Nesse universo, 31 eleitas são mulheres, isto é, 13% do total. (ISA) Neste ano eleitoral de 2022, novas oportunidades de mudança aparecem no atual cenário catastrófico do país. Dando continuidade à mobilização para a demarcação das urnas, a APIB convoca lideranças indígenas a participarem da disputa política, oferecendo mentorias com objetivo de fortalecer suas candidaturas.
Primeira indígena a ser vacinada contra o novo coronavírus no Amazonas, a técnica em enfermagem e ativista Vanda Ortega Witoto teve sua pré-candidatura a deputada federal lançada pela Rede Sustentabilidade (AM), com apoio de nomes como Marina Silva e Joênia Wapichana. Witoto atuou no combate à pandemia junto a 700 famílias de 35 etnias que habitam o Parque das Tribos, bairro indígena localizado em Manaus (AM). Como liderança na comunidade, Vanda realizou importantes ações durante a pandemia, tanto na arrecadação de alimentos e itens de higiene, quanto no enfrentamento às fake news disseminadas em relação à vacinação, além da orientação e atendimento à comunidade como profissional de saúde. Fundadora do centro cultural Ateliê Derequine, Vanda integra um coletivo de estilistas e artesãs dos povos Witoto, Kambeba, Tariana e Murá.
A história nos mostra que em momentos de grandes desafios brotam sementes de esperança e estratégias de resistência. Nesse sentido, os povos indígenas têm muito a ensinar, já que há séculos protagonizam um dos maiores movimentos de resistência que a humanidade já viu. Além disso, as mulheres originárias trazem consigo a força ancestral de cosmologias baseadas no coletivo e que exaltam a importância do lugar criativo e curativo feminino na transformação do mundo.
Novas candidaturas indígenas a cargos no legislativo surgem com a responsabilidade de construir uma rede forte e engajada na proteção da vida e na luta pela sociobiodiversidade. Ter os espaços de decisão política ocupados por cada vez mais mulheres indígenas significa fortalecer o movimento da defesa dos territórios, por uma sociedade mais plural e menos desigual. #obrasiléterraindígena
Referências : https://igarape.org.br/temas/seguranca-climatica/defensoras-da-amazonia/
https://piaui.folha.uol.com.br/uma-cacica-de-olho-no-senado/
https://www.instagram.com/campanhaindigena/