T.I.Yanomami, Roraima. Foto: Andressa Anholete / Getty Images.
Um massacre está em curso na maior terra indígena do país enquanto o incentivo ao garimpo integra um projeto político de destruição e morte.
O território yanomami ocupa quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas e é a casa ancestral de mais de 28 mil indígenas de povos Yanomami e Ye’kwana , distribuídos em 371 comunidades. Embora demarcada em 1992, a TIY vem sendo devastada e sua população brutalmente assassinada. Sim, o que estamos assistindo é um genocídio.
A denúncia do estupro seguido de morte de uma menina yanomami de 12 anos, além do sequestro e afogamento de uma criança de 3 anos e sua mãe na aldeia yanomami de Aracaçá chocou o país na última semana. Divulgada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, o crime brutal não é um episódio isolado no cotidiano de medo que cerca os povos indígenas no Brasil. No ano passado, duas crianças morreram durante os ataques à comunidade de Palimiú e outra afogada por uma correnteza provocada por uma draga de garimpo. Além disso, tragédias como o abuso sexual e epidemias de pneumonia, malária e destrunição severa estão entre as chagas provocadas pela ilegalidade e pela violência que dizimam pouco a pouco a vida das crianças yanomami.
Durante as ações da PF e Funai dias depois da denúncia, os agentes encontraram a comunidade incendiada. Indígenas avistados na região falaram sobre a coerção feita pelos garimpeiros para que aceitassem algumas gramas de ouro em troca do silêncio sobre os crimes e sobre o paradeiro dos indígenas de Aracaçá. Júnior Hekurari Yanomami, liderança que fez a denúncia e acompanhou as visitas à região dos Waikás vem sofrendo ameaças desde então. Enquanto isso, a PF afirma que não encontrou indícios sobre os crimes cometidos contra os yanomamis. Em paralelo à mobilização #cadêosyanomami que tomou as redes sociais pressionando o poder público a tomar medidas contra os crimes na TIY, a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar indígena eleita em 2018, lidera um grupo de trabalho para acompanhar a situação do povo Yanomami.
Eu quero que todos vocês não indígenas voltem seus olhos para esta terra! E sabem o por que queremos isto? Para que todos os líderes não indígenas, venham rapidamente nos apoiar! Eu estou falando o que eu penso! Vocês não indígenas, vocês que vivem em terras distantes, não fiquem nos olhando sem interesse! Não quero que fiquem nos olhando à toa! Tenham urgência! (Fala de liderança yanomami em junho de 2021, após os ataques à comunidade de Palimiu)
Urgência. É isso que os povos indígenas precisam para reverter a situação de calamidade em que se encontram hoje. O relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, elaborado pela Hutukara Associação Yanomami mapeia o avanço da destruição na terra yanomami. O documento apresenta um panorama dos ataques contra as comunidades indígenas e quantifica o rastro da violência causada pelo garimpo ilegal que alcança recordes absurdos e inaceitáveis.
“Além do desmatamento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de ouro (e cassiterita) no território yanomami trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças, com sérias consequências para a sobrevivência das famílias indígenas, e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas”, diz um trecho do documento que foi encaminhado às autoridades sem que medidas eficazes fossem providenciadas.
Não é de hoje que o garimpo ilegal se alastra floresta adentro, mas a invasão garimpeira nunca esteve tão desenfreada como nos últimos cinco anos desde a corrida do ouro, nos anos 80. Segundo a Mapbiomas, entre 2016 e 2020 o garimpo na TIY cresceu 3350% ocasionando a presença de mais de 20 mil garimpeiros em território yanomami abrindo profundos e venenosos buracos ao longo dos rios, levando doença, morte e violência para o interior de uma terra que deveria ser protegida. É por isso que as lideranças indígenas pedem urgência. O estímulo ao garimpo ilegal defendido pelo projeto político de destruição precisa parar!
Engana-se quem pensa que o garimpo presente em terras indígenas é artesanal. Muito pelo contrário. O relatório mostra que o garimpo dos dias atuais é uma atividade financiada por empresários com alta capacidade de investimento e que concentram a maior parte da riqueza extraída ilegalmente da floresta yanomami. Investigações revelaram que estes empresários são membros da elite econômica local ou figuras de outros estados com operações em Roraima. O dinheiro ilícito obtido com a prática é frequentemente lavado em negócios legais. Outro ponto destacado pelo Relatório é o narcogarimpo. A associação entre tráfico de drogas e garimpo ficou clara nos violentos ataques à comunidade do Palimiu de 2021 protagonizados por agentes do PCC e se estende não apenas por RR, mas também pelos estados do MT e PA.
Na cosmologia yanomami, a palavra urihi quer dizer ao mesmo tempo “terra” e “floresta”. Para este povo, guardião do que ainda sobra de terra, rios e floresta, sobreviver é uma luta contra a nova corrida desenfreada pelo ouro que as florestas yanomami guardam debaixo dos leitos hídricos. Neste momento, uma aldeia inteira está desaparecida. Até agora, não há informações se os habitantes de Aracaçá fugiram, forçados a deixar seu território para sobreviver ou se foram assassinados pelos garimpeiros.
Até quando seremos um país omisso que permite que o povo yanomami desapareça? Até quando nós, enquanto sociedade, vamos nos isentar de trazer essa luta para o centro dos debates nacionais?
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