O cocar é um artefato ritual, confeccionado artesanalmente pelos homens da aldeia e usado em cerimônias de diversas etnias. Se até pouco tempo seu uso era restrito a ritos, exposições e pesquisas de arte indígena, hoje o cocar toma as ruas da cidade, despertando interesse sobre suas origens e os costumes relacionados a este adorno. Grande parte dessa nova “moda” se deve à invenção dos índios Kayapó, habitantes das margens do Rio Xingu: o cocar de canudos ou pidjôkango oicõ djã nho meàkà, na língua indígena.
O protótipo original do cocar chama-se meakà. É um arco feito com penas de diferentes pássaros como araras, papagaios, mutuns e rei-congos, conforma as cores escolhidas por quem o confecciona. São os homens que caçam os pássaros na floresta, arrancam-lhes as penas e preparam-nas para serem afixadas lado a lado com linhas de algodão cru, dando forma, simetria e beleza ao meakà.
“Estes cocares de canudinhos de plástico são perfeitos exemplares da criatividade Kayapó em absorver novas matérias-primas e moldá-las segundo sua tradição estética em formas antes moldadas com materiais considerados tradicionais (por nós e não por eles), tais como as penas, as sementes, os cipós e embiras.“ A fala é do antropólogo André Demarchi, que tem os Kayapó como objeto de pesquisa desde 2009. André integra a Rede Tucum e é de autoria dele o material que usamos como referência para este post aqui no Blog.
Uma breve história sobre o cocar
De acordo com a mitologia Kayapó, o cocar de penas é um troféu de guerra conquistado depois que dois guerreiros mataram Àkti, o grande gavião que gostava de se alimentar de crianças e velhos indefesos. Assim, não é qualquer um que pode portar na cabeça um cocar; é preciso que seja transmitida pelos mais velhos uma espécie de permissão, que acontece durante as cerimônias de nominação. É a partir deste ritual que a criança é apresentada como especialmente bela (mereremejx) para aquela comunidade e torna-se apta, entre outras coisas, a usar sob a cabeça um cocar.
O uso ritual do cocar é restrito a apenas uma pessoa, considerada como o dono ou aquele que pode utilizá-lo. Enquanto algumas pessoas têm a prerrogativa de utilizar o verde, feito de penas de papagaio; outra pode usar o vermelho, de penas de arara e uma outra, o amarelo, de penas de japu. Para pegar emprestado um cocar, é necessário que haja autorização do dono e que depois da festa, seja prontamente devolvido a ele ou à sua família. Ter um cocar sob a cabeça é algo muito significativos entre os Kayapó.
Com o cocar de canudos ocorre algo similar, já que ele também se transformou em um bem simbólico com circulação restrita apenas a seus donos, que continuam sendo proprietários deste objeto ritual de cores distintas. Somente o dono do cocar de penas de japu (amarelas), pode usar e mesmo confeccionar o cocar com canudinhos amarelos, por exemplo.
Por quê canudos?
Os canudos viraram matéria-prima devido a um grande incêndio que devastou a aldeia Môikarakô, Terra Indígena Kayapó, PA, nos anos 90. Embora não tenha deixado vítimas, o fogo queimou praticamente todas as casas da aldeia e boa parte dos pertences de seus habitantes, incluindo seus valiosos bens cerimoniais, dentre eles os cocares de penas que estavam sendo produzidos para um ritual dali a alguns dias. Mesmo com suas casas e enfeites queimados, os moradores da aldeia decidiram fazer a festa. Foi nesse contexto de resistência e superação que um velho indígena teve a ideia de produzir os arcos com os canudinhos de plástico para adornar as cabeças de seus companheiros de aldeia de forma que eles pudessem dançar e festejar superando o ocorrido. Mal sabia ele do sucesso que este artefato faria entre os próprios Kayapó e décadas mais tarde, entre admiradores da cultura indígena e foliões querendo deixar a “fantasia de índio” ainda mais significativa.
Nesta transição entre a confecção do cocar para uso interno e ritual para o uso lúdico, festivo e comercial por não-indígenas, a produção ganha muito em liberdade criativa, em especial quanto à combinação de cores. Ver os cocares de canudo, feitos sob a mesma tradição dos cocares de pena vale lembrar, virando item de desejo entre os que curtem o Carnaval é motivo de orgulho para os Kayapó, que com sua cultura, ajudam a enfeitar esta grande festa dos brancos – ou kuben, na língua Kayapó.
Com a proibição da comercialização de artesanato feito com penas e outras partes animais silvestres por meio de uma portaria do Ibama, referente ao artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998), incentivar a produção do cocar de canudos é também uma forma de saudar o artesanato indígena de forma responsável. Mais info aqui: http://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2358
A Associação Floresta Protegida (AFP) é uma ONG que representa os Kayapó, parceira da Rede Tucum e pioneira no fomento e divulgação dos cocares de canudo. Todo fim de ano, a Tucum encomenda à AFP uma grande quantidade destes cocares, o que se torna uma fonte de renda para os guerreiros Kayapó que dominam com maestria seus saberes tradicionais para a confecção deste objeto. Este ano em especial foi impressionante ver a qualidade e beleza dos cocares à medida em que foram chegando na Tucum! Novas técnicas os tornaram mais firmes e as combinações de cores extremamente criativas.
Com a ideia de difundir a cultura Kayapó, a AFP produziu uma série documental super bacana sobre o artesanato desta etnia que adora festa. Confira o episódio “Cocar de Canudo” e saiba mais sobre a técnica ancestral deste povo ao confeccionar seus cocares. Assista aqui https://www.youtube.com/watch?v=ieNSpGrvdzM
Ainda não tem um cocar de canudos para chamar de seu? Escolha aqui: http://loja.tucumbrasil.com/categoria/2516-cocar