Expedição Krahô – Monica Carvalho e o fazer sensível

A palavra expedição quer dizer, segundo o dicionário, campanha, diligência. Para nós, vai além; tem sempre o sentido de aprendizado e troca e nesta última viagem, não foi diferente. Convidamos a designer Monica Carvalho para vivenciar essa experiência com a gente, acompanhando e somando seu olhar artístico ao trabalho da Tucum junto às artesãs indígenas durante dez dias na aldeia Pedra Branca, Terra Indígena Krahô, no cerrado do Tocantins.

O que você lê abaixo são fragmentos de uma conversa que era para durar 15 minutos e virou mais de hora com a Monica, logo após a chegada da vivência com os Krahô. A artista abriu as portas do seu ateliê no Bairro Peixoto e reviveu ali, entre memórias, objetos trazidos da aldeia e muitos registros, o impacto da imersão na Terra Indígena. Com a palavra, Monica. 🙂

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Foto: Helena Cooper

 

“Foi uma experiência muito rica, fiquei como pinto no lixo. A gente chega com uma visão de fora e lá é tudo diferente. É mais pobre do que eu pensava, por exemplo, mas tem uma dignidade muito forte e presente ao mesmo tempo. Foi bárbaro estar ali.

Chegamos com um suporte, com pessoas ligadas aos índios, que têm uma preocupação em não invadir, sabendo que já está invadindo. Sem aquela coisa do gringo que chega no Brasil querendo visitar favela, numa curiosidade meio atração turística. Estar ali, poder compartilhar, criou uma conexão real.

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Foto: Helena Cooper.

 

Eu já tinha passado por uma experiência com os Makuxis, na Guiana Inglesa. Mas foi totalmente diferente, porque eu achei que estava indo para uma aldeia intocada e na verdade era uma lodge, frequentado pelo Príncipe Charles! Tinha um quarto com flores em cima da cama, sucos de fruta, tudo impecável. Bárbaro, mas era outra coisa, era um resort. Lá nos Krahô não, foram dez dias dormindo na rede, cada um leva a sua própria redinha. Você fica na horizontal da rede ou de cócoras, num desconforto absurdo; é assim no cotidiano dos afazeres da aldeia. Quem quer conforto não consegue, tem que se desgarrar do conceito de ‘confortável’ da cidade grande.

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Foto: Helena Cooper

 

Foi uma surpresa ver o trabalho deles de perto. A primeira intenção era desenvolver uma coleção durante a expedição na aldeia, mas chegando lá percebemos que não ia acontecer isso, porque a Tucum precisava trabalhar junto na produção deles, para depois comprar, e em dez dias não daria tempo de fazer as duas coisas. Foi um trabalho de observar e perceber o modo de fazer, como manejam e criam cada peça e trazer algum material para que eu começasse a trabalhar em cima disso.

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Foto: Helena Cooper

 

A ideia era desenvolver uma coleção a partir das cabaças. Isso aqui [neste momento, Monica mostra uma cabaça que trouxe da aldeia, queimada e com uma amarração de fios de tucum com sementes que ela aplicou por cima] é tudo deles e não é mais ‘só’ uma cabaça. O que eles criam é lindo e o barato é mostrar que eles podem interferir organicamente no que eles já fazem, desenvolvendo outras coisas e usando a criatividade deles, que é absurda.

Existem peças em que eu posso interferir e fazer com que eles depois passem a montar lá. Eles podem olhar e criar uma bolsa que tenha um apelo comercial maior, não sendo mais ‘só’ uma bolsa indígena, simplesmente.

O interessante é que começando a mexer no trabalho deles aqui no ateliê, foi um verdadeiro aprendizado, fui descobrindo modos de fazer simplesmente bárbaros. Ao abrir uma bolsa, por exemplo, você começa ver a técnica da costura, do acabamento, tudo primoroso. Algumas pessoas falam: ‘Ah, você vai para a aldeia ensinar os índios. ‘ Respondo: ‘Gente, vou ensinar nada! Eu vou é aprender com eles, quem está usufruindo sou eu.’ E é exatamente isso, eu que aprendo, mesmo.

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Foto: Helena Cooper

 

O que eu percebi foi como as mulheres usam – e talvez isso seja a coisa mais forte e importante sobre este ofício – o padrão da estampa das pulseiras e do tear. Elas tramam sem gabarito, o desenho está na cabeça. Eu fico puta quando tem esses projetos que entram na tribo para desenvolver estampa. O designer nestes casos, tem que mostrar um resultado e aí começa aquela coisa de: ‘vamos fazer um trabalho com os bichos da floresta.’ E quer que saia dali uma estampa de tamanduá ou de um tucano, isso não pode! Eles têm que continuar fazendo o que já fazem, isso que é sensacional. Como a cabeça daquelas mulheres, que já é o próprio gabarito. Isso é fantástico! Os grafismos são impecáveis, três pra cá três pra lá, essa é a medida. A gente vai tentar fazer isso aqui, sai torto, não sai. Lá sai tudo perfeitinho, ela no chão com um bebê no colo, na forma mais não-ergonômica de se sentar, sai isso [apontando para os padrões de algumas peças Krahô que pega para exemplificar]. Essa trama é de um jeito, essa outra aqui [compara] já é de outro. Mas isso você não pede, isso é quando eles estão a fim de fazer. Eles que resolvem que vai ser desse jeito, entende?

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Acervo pessoal/Monica Carvalho

 

Sobre a coleção ELO Tucum: Krahô + Monica Carvalho que vem por aí

Vai ser uma coleção que pode ser desenvolvida lá, por eles, e outra, onde eu reinvento uma coisa nova a cada peça, dando uma leitura mais contemporânea, agregando um valor mais ligado ao design. O fato de ter duas coleções, propõe um upgrade no produto indígena e por outro lado, a gente pode mostrar que é possível usar a beleza do trabalho deles, que é única, e recriar em cima.

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Acervo pessoal/Monica Carvalho

 

Voltei tendo muito mais certeza do que eu sempre achei: de como a gente pertence à natureza, como a gente deve se integrar à ela – é a única maneira. Achamos que os índios são primitivos e não sabem das coisas, mas na verdade eles estão em paz porque respeitam a natureza e respeitam isso, essa relação. É só ver como eles ficam bem no silêncio e na contrapartida, como a gente precisa falar, falar. Antes de ir, pensei: ‘vou levar uns livros’. Imagina! O tempo me envolveu muito, tudo me envolvia demais, foi muito rico. Sensível, conectada, é assim que me sinto agora, de volta. Você acredita que esse passarinho [um beija-flor azulado, pequenino que durante nossa conversa apareceu algumas vezes no ateliê] começou a aparecer aqui em casa, depois que cheguei? É isso, as respostas começam a vir. Voltei à cidade grande tranquila, muito tranquila. Posso dizer que me fez um bem enorme estar lá.”

Batismo Krahô. Aldeia Pedra Branca, T.I. Krahô / TO.
Batismo Krahô. Aldeia Pedra Branca, T.I. Krahô / TO. Foto: Antonio Resende.

 

Para conhecer mais sobre a etnia Krahô, seus saberes e a arte do cerrado, acesse aqui a Tucum online.